Na Grecia, com o nascer do teatro e da democracia, o
espaço teatral exigiu a adoção de convenções como os cothurnos e o uso uso de
máscaras, elas desempenhavam a função de caracterizar o personagem e atribuir-lhes expressões
de raiva, medo, angustia, sofrimento, alegria e toda a gama de emoções sem a qual seria ininteligível boa parte das peças apresentadas visto
as dimensões gigantescas do espaço teatral e seu público, que em algumas apresentações chegavam a 17.000 espectadores. O uso de máscaras também possuia a
função de projetar a voz do ator através do orifício na boca, criando um som
mais penetrante e forte e eram chamadas “per sona”, segundo Gabio Baso, a palavra
persona tem origem no verbo ressonar. Carl Gustav Jung empregou o termo persona na psicanálise em vista da adaptação do ser humano para desempenhar
determinados papéis sociais, adotar
atitudes convencionais e coletivas, e representar estereótipos culturais. Caracterizando
assim também um personagem, uma persona, uma máscara social.
Durante as manifestações ocorridas no Brasil é de
extrema singularidade a adoção das máscaras pelos manifestantes, sobretudo a
adoção da máscara usada pelo personagem do filme V de Vingança (V for Vendetta).
A máscara inspirada no revolucionário inglês Guy Fawkes que comandou uma
revolta para tomar o poder na Inglaterra em 1605 teve sua popularização nas histórias em
quadrinhos e posteriormente no cinema no filme de 2005 dirigido por James McTeigue. Curiosamente a
máscara de V de Vingança emprestou sua persona aos manifestantes brasileiros.
O detalhe fica por conta de que ela ao contrário da máscara grega não possui seu
orifício de voz, mas sim ostenta um sorriso questionador, moldado por um cavanhaque e bigode. A falta
desse orifício, usado para projetar e fazer vibrar a voz e
sons parecia revelar que no Brasil os manifestantes estavam cansados em parte de fazer ressoar
sua voz, de bradar por melhores condições sociais sem serem ouvidos. Apesar das palavras de
ordens repetidas durante as manifestações o tom era de basta, era hora de partir para a ação. O manifestante que adotou o uso de máscaras ou cobriu o rosto estava ciente de que a repressão viria e veio em forma de Lei 6.528, publicada
no Diário Oficial de 12/09/2013 que regulamenta o artigo 23 da Constituição
Estadual do Rio de Janeiro: "É expressamente proibido o uso
de máscara ou qualquer outra forma de ocultar o rosto do cidadão com o
propósito de impedir-lhe a identificação". Dos 70 deputados, apenas 12 votaram
contra sua proibição. A lei também informa que será necessário avisar a autoridade policial
sobre a reunião pública.
De uma forma contundente, mais uma vez as artes cênicas e a
democracia se encontram. Do seu nascimento e apogeu na Grécia, com a
solidificação do Teatro, apoiado pelos legisladores e administradores de Atenas que a fomentaram para construir a democracia nascente, e a proibição do uso de máscaras em
manifestações democráticas no Rio de Janeiro, que
contraditoriamente a medida imposta por tradição e em todo o estado faz uso de máscaras nas mais diversas formas de expressão popular. Com raízes na tradição carnavalesca, com suas
máscaras de bate-bolas, pierrôs e colombinas e tantas outras que cairam no gosto
popular como a de personagens e personalidades públicas.
O Rio de Janeiro foi o palco a céu aberto do Brasil por excelência tendo tradição nas artes cênicas e utilização de adereços e fantasias de forma não convencionais em manifestações públicas na cidade ao longo de sua história. O uso de
máscaras nas manifestações também tiveram papel fundamental, alertaram que tinha chegada a hora
em que não se pretendia mais apenas projetar a voz, utilizando-se dos artifícios da
retórica sem o uso da ação. Mas
sim era a hora dos atores sociais agirem, atuarem. Ir para as ruas, mostrar seu sorriso questionador. Na democracia de fato não é necessário avisar a
polícia, basta pegar o adereço que melhor couber a sua persona e
sair de casa, exercendo seu direito de expressão como cidadão e supra consciente de sua condição histórico cultural.